Manjar com calda de ameixa – uma sobremesa com memória e tradição.
Uma sobremesa simples, cheia de sabor e memórias afetivas — da cozinha da minha mãe direto para a sua mesa.
Uma receita com gosto de infância
Esta é mais uma das receitas do caderno da minha mãe. Lembro-me com carinho dos domingos em que a sobremesa era manjar com calda de ameixas. Ela dizia que o ideal era preparar a calda com ameixas com caroço — aliás, a Rita Lobo também compartilha dessa opinião. Eu acho que era porque dava trabalho na hora de comer, já que os caroços ficavam ali, sem jeito, e ninguém sabia muito bem onde colocá-los depois de saborear as ameixas. Naquela época, não havia muita frescura — se o sabor era melhor com caroço, era assim que se fazia.
A versão de hoje
Nesta versão que trago hoje, surpreendentemente, não encontrei ameixas com caroço (rsrs). Então, preparei a calda normalmente e, no meio do processo, retirei 2/3 das ameixas sem caroço para finalizar a cocção com mais controle da textura. O resultado ficou equilibrado: calda encorpada, com ameixas macias e o doce exatamente como deve ser.
O coco, o moedor e a memória
Na receita original, minha mãe também adicionava coco ralado. Lembro-me vividamente dela abrindo o coco, separando a água — que era sempre um presente para nós —, e depois, com paciência e com uma faca retirava aquela pele escura que recobre a polpa, deixando o coco bem branquinho. Ela usava um moedor manual para triturar o coco, a minha parte era girar a manivela e ir provando o coco recém-ralado.
Vale lembrar que, naquela época, ingredientes como coco só existiam in natura. Não se imaginava que um dia seria possível comprá-lo em pedaços, moído, tostado, em lascas ou em tiras. Era preciso quebrar o coco, soltá-lo da casca e usá-lo como estivesse — em pedaços ou, como nesta receita, moído na hora.
Cozinhar é mais do que fazer comida
Hoje percebo o quanto passávamos tempo juntos na cozinha, realizando tarefas que, à primeira vista, não eram exatamente cozinhar, mas que acabaram se tornando parte do meu aprendizado. Lembro também de uma comida que levava pão, caldo, fava e verdura, e a minha única função era ficar mexendo sem parar. Detalhes como esses ficaram marcados em mim e contribuíram para a minha paixão pela culinária.
Biancomangiare – a origem siciliana do manjar
O biancomangiare (que em italiano significa literalmente “comer branco”) é uma das sobremesas mais antigas da culinária siciliana, com raízes que remontam à Idade Média, quando a Sicília era influenciada pela cultura árabe. Originalmente, esse doce era feito com leite de amêndoas, açúcar, amido de trigo ou arroz e, em algumas versões, aromatizado com água de flor de laranjeira ou casca de limão. Era servido frio, geralmente em tigelas individuais, decorado com amêndoas laminadas ou frutas cristalizadas. O nome remete à cor branca, símbolo de pureza e elegância na época medieval.
Durante o século XIII e XIV, o biancomangiare era servido nas cortes nobres não só da Sicília, mas também em outras regiões da Itália e da Península Ibérica. Era considerado um prato refinado, frequentemente presente em banquetes e celebrações. Curiosamente, ele não era exclusivamente uma sobremesa: versões salgadas também existiam, feitas com carnes brancas, leite e arroz, mais próximas dos pratos doces-salgados da tradição árabe.
Com o passar dos séculos, o biancomangiare permaneceu como uma sobremesa tradicional na Sicília, especialmente nas cidades de Palermo e Messina, onde é consumido até hoje em festas populares e celebrações religiosas. Ao chegar ao Brasil por meio das influências europeias, especialmente portuguesas, a receita foi adaptada ao gosto local com o uso de leite de vaca, coco e leite condensado, dando origem ao nosso querido manjar branco com calda de ameixa.
Tempo de preparo: 45 minutos (sem contar o tempo de geladeira)
Serve: 8 pessoas
Ingredientes
Para o manjar:
400 ml de leite de coco
1 litro de leite integral
1 lata de leite condensado
1 xícara (chá) de amido de milho
½ xícara (chá) de coco ralado fresco
Óleo para untar a forma
Para a calda de ameixa:
300 g de ameixa seca com caroço
2 ½ xícaras (chá) de água
¾ xícara (chá) de açúcar refinado
1 rama de canela
Modo de Preparo
Manjar:
Unte com uma camada fina de óleo uma forma redonda de furo no meio (22 cm de diâmetro por 6,5 cm de altura).
Em uma panela média, misture o leite de coco, 3 xícaras (chá) de leite e o leite condensado. Mexa bem com um batedor de arame.
Dissolva o amido de milho no restante do leite (1 xícara) e adicione à mistura da panela.
Leve ao fogo médio. Acrescente o coco ralado e, quando começar a ferver, abaixe o fogo e mexa continuamente por cerca de 3 minutos, até formar um creme grosso. O ponto ideal é quando o creme fica levemente marcado pelo batedor ou forma picos na panela. Não deixe muito rígido.
Desligue o fogo e transfira imediatamente o creme para a forma untada. Nivele a superfície.
Cubra com filme plástico em contato direto com o manjar para evitar a formação de uma película no creme.
Deixe esfriar em temperatura ambiente e leve à geladeira por no mínimo 3 horas ou até firmar (pode deixa de um dia para o outro).
Calda de ameixa:
Em uma panela pequena, misture a água e o açúcar até dissolver, com o fogo desligado.
Adicione as ameixas e leve ao fogo médio até ferver.
Abaixe o fogo e cozinhe por cerca de 25 minutos, até formar uma calda leve e as ameixas ficarem macias.
Como eu usei as ameixas sem caroço, no meio do tempo de cozimento, retirei 2/3 das ameixas para finalizar a cocção com mais controle da textura.
Acrescente a canela e cozinhe por mais 5 minutos.
Transfira a calda para uma tigela e deixe esfriar completamente antes de servir.
Na hora de servir
Retire o manjar da geladeira e passe a ponta de uma faca pelas bordas para soltar. Vire sobre um prato de servir e regue com a calda de ameixas já fria. Sirva gelado.
Nos vemos no próximo post com mais receitas deliciosas! Bom apetite! 👨🍳
Ma Ra Vi Lho So!!!!